Haicais
Estes são os 78 haicais que publiquei no livro “Haicais e Que Tais” (Massao Ohno Editor, 2005), selecionados dentre os 125 que tenho em meu blog de haicais, separados em quatro grupos. As ilustrações e capa do livro são de Eugénia Tabosa. Na parte inferior desta página coloco alguns textos referentes à obra.
Haicais das estações
o vento afaga
o cabelo das velas
que apaga
trigo dourado
pelas mão do vento
é penteado
folhas no quintal
dançam ao vento
com as roupas do varal
espiral de sol –
luz nas frestas da
escada em caracol
nuvem que passa,
o sol dorme um pouco –
a sombra descansa
chuva lá fora –
os pássaros, molhados,
foram embora
pinga torneira
tic tac do relógio
luz com poeira
areia quente
pés descalços
corrida para o mar
gota de chuva
escorre na parreira
pára na uva
língua pendente
cachorro com sede
sol ardente
canta bem-te-vi
sol por todo o lado
natureza sorri
serra nevada,
cumes tocam o céu –
nuvem furada
que flor é esta,
que perfuma assim
toda a floresta?
chão de caruma,
crepitar no pinheiral –
passos ou fogo?
sol na varanda –
sombras ao entardecer
brincam de ciranda
patins no gelo –
riscos que se cruzam
como novelo
espuma do mar
adensa o voo das
gaivotas no ar
Saci Pererê
fuma seu cachimbo
à sombra do ipê
cai o granizo:
rapaz, fique em casa,
tenha juízo
os raios de sol
iluminam de manhã
o velho farol
velho jornal
levado pelo vento
prevê temporal
Haicais da vida
no despenhadeiro
a sombra da pedra
cai primeiro
uma silhueta
recorta na noite
a velha preta
flor amarela,
no vaso, vê o mundo
pela janela
gota no vidro
um rosto na janela
olhar perdido
sol na janela
dorme gato no sofá
cor de flanela
grama nos trilhos
composições mudas
sem estribilhos
moinhos ao vento
Quixote e Dulcinéia
no pensamento
velho sapato
lembra das caminhadas
solto no mato
fera ferida
nunca desiste –
luta pela vida
terreno baldio
lixo revirado
gato vadio
olhos de gato
luz dos faróis na noite
pulo no mato
casa quieta –
cochila o avô e
dorme a neta
rochedo no mar
barco afundado
olhos a chorar
estrela do mar
abraça a areia
para a beijar
volta cometa –
serão as saudades
deste planeta?
pássaro tenor
afina a garganta
ao sol se pôr
pardal sozinho –
primeira aventura
fora do ninho
ave calada –
ninho em silêncio
na madrugada
as ondas beijam
os lábios da praia –
bocas do mar
cuco dá horas
mas não conta
por que demoras
cama macia
corpo se espreguiça
nasce o dia
velha na fonte –
os cântaros se enchem
o sol se esconde
caído, um corpo
acabado, um sonho
imóvel, um morto
um sapo azul,
inspirado em Bashô,
salta no paul…
era uma vez
um sapo que – beijado –
poeta se fez
Haicais humorísticos e satíricos
mulher aflita
telefone toca
cafeteira apita
susto na cama
almofada é monstro
em sonho drama
criado mudo
fica quieto
mas vê tudo
pardal no fio
ouve o telefone
mas não dá um pio
viagra azul
Lázaros levantados
de norte a sul
chora poeta –
musa obesa pensa
só em dieta
cubista musa
com os pés na cabeça –
obra confusa
harpa de Nero –
chamas queimam Roma e
dançam bolero
casa fantasma
cheia de habitantes
feitos de plasma
haicai sem kigô
é de quem bebe saquê
e pisa na fulô
louco desafio:
comer fubá e cantar
o sole mio!
sossego acaba –
chegou a pamonha
de Piracicaba
pinta no nariz –
era uma pulga que
fugiu por um triz
travesso gato
com saudade do dono
mija no sapato
festa no bordel
só começa ao chegar
o coronel
travou meu micro
todo dia Bill Gates
fica mais rico
gente sem terra,
corrupção, desemprego:
mundo em guerra
jornal aberto,
café, leite e sangue:
guerra de perto
dia de eleição
primeiro o seu voto
depois a traição
deu no jornal:
economia vai bem
o povo vai mal
crianças mortas –
mundo que escreve mal
por linhas tortas
lindo sorriso
imagem no espelho
seduz Narciso
micro na teia
navega na internet
grão de areia
ágil pivete
brinca como se fosse
zero zero sete
velha a fiar
e vem Humberto Mauro
para a filmar
Haicais eróticos e sensuais
brilha o grampo
ou ela tem no cabelo
um pirilampo?
nuvem parada
beijada pela brisa
fica molhada
sonho colorido
o sol dança com a lua
você comigo
copo de vinho,
um olhar e um toque:
te adivinho…
mãos que se tocam
olhos que se encontram
beijo na boca
vela acesa
testemunha olhares
sobre a mesa
letras no papel
trazem tuas palavras
com sabor de mel
abelha na flor
a brisa nas árvores
eu com teu sabor
flor na lapela
noite de serenata
à janela
brasa do tempo
acende quando passas
no pensamento
sabor cereja –
minha boca
a tua deseja
beijo roubado
é o butim do ladrão
apaixonado
homem e mulher
tudo pode ser
se você quiser
vento no bambu
sopra e geme prazer
assim como tu
ao te adorar
não sei mais se tens
corpo ou altar…
sexto sentido
gesto delicado
abre vestido
úmida gruta
desejo toma corpo
boca na fruta
que delícia –
um decote aberto
com malícia
frio ventoso
mamilo fura blusa
olho guloso
olhos felinos
e um corpo de mulher –
cuidado meninos!
dedo macio
doce siririca
fêmea no cio
duas na cama
sáfica descoberta
xana com xana
quarto escuro
silhuetas se amam
pecado puro
casal trocado
juntos pulam o muro
lado a lado
canta sabiá
canário e rouxinol
ménage a trois
misteriosa,
Mona Lisa só ri
depois que goza…
madura no ramo
vou colher a fruta
da mulher que amo
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A seguir, alguns textos de Fábio Lucas, Massao Ohno e Izacyl Guimarães sobre meus haicais.
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Carlos Seabra
Por Massao Ohno
Se há versos brancos deverão haver “haicais brancos” onde a métrica, acentuação e rimas não precisarão necessariamente ser seguidas à risca. Apenas o espírito, o momento poético deverá existir para que subsista o poema.
Gostaria que todos usufruíssem deste livro de Carlos Seabra.
Para finalizar, cito de Kenzan um haicai que bem o define:
num grupo de salgueiros
há sempre um
que o vento não balança
Este um é Carlos Seabra
Massao Ohno
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Haicais e mais
Por Izacyl Guimarães Ferreira
Este é um livro de estréia. Entretanto, nada nele revela tateios, buscas, qualquer traço denunciando neófito. Já se disse muitas vezes que uma boa idade para poetas está na faixa dos quarenta, citando-se o que dizia Bandeira sobre uma obra também “tardia”.
Carlos Seabra é um homem maduro, experiente em outras artes e tecnologias, da educação ao cinema, da pesquisa social ao grafismo informático.
E agora ousa a brevidade. Dizer muito com poucos recursos é para poetas já feitos, não para aprendizes, que no entanto crêem que é assim que se começa, como se escrever fosse como o engatinhar das crianças.
O haicai estaria para a poesia oriental como o soneto para a nossa, valha esta insólita comparação que nada mais quer que ressaltar duas características das duas formas: o rigor e a densidade.
Pois rigor e densidade é o que o livro de Seabra exibe. E mais: humor, ausente em toda (suponho) poesia sob esta forma. Daí o título “Haicais e que tais”. E é nestes “que tais” que Seabra mostra o humor brasileiro (naturalizado que é, pois nascido em Portugal), ao lado da delicadeza, da insinuação, da revelação e da iluminação repentina, estes traços essenciais do haicai.
Exemplos orientais de Seabra:
o vento afaga
o cabelo das velas
que apaga
gota de chuva
escorre na parreira
pára na uva
no despenhadeiro
a sombra da pedra
cai primeiro
E estes “que tais” que abrem o leque das possibilidades das tríades dos haicais:
haicai sem kigô
é de quem bebe saquê
e pisa na fulô
misteriosa
Mona Lisa só ri
depois que goza
que delícia –
um decote aberto
com malícia
Erotismo, humor, sutileza. E com o “obstinado rigor” que ordena Leonardo.
Este “livrinho” como deve ser o frasco dos haicais, é para ser lido e relido.
Cabe agora a Seabra continuar, nesta forma enxuta ou noutra que tal.
A bonita edição, de Massao Ohno, vem enriquecida por desenhos bastante “orientais”, de Eugénia Tabosa, de quem o poeta é filho.
Izacyl Guimarães Ferreira
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Carlos Seabra além dos haicais
Por Fábio Lucas
Os gêneros literários constituem marcos retóricos ou poéticos, legitimados pelas convenções. Cumpre aos poetas segui-los e, depois, ultrapassá-los.
É o que se verifica com os Haicais de Carlos Seabra. Encontram-se mais próximos da forma do que do espírito. É que a alteridade da composição, transplantada ao solo brasileiro, incorpora os sinais da tradição poética local. Tudo em versos mínimos, de rapidez eletrônica.
Carlos Seabra visita vários núcleos temáticos, com um gestual de cirurgião plástico. Ventila os pequenos poemas ora com o sopro romântico, ora com a graça da ironia, que não chega, todavia, à mordacidade.
Gradua o tempo segundo a herança heraclítica: caminho para a morte, pontilhado de clarões epifânicos. Relâmpagos da eternidade.
Intromete-se, em uma ou outra composição, o homem político, indignado, acossado pelas injustiças que a civilização vem acumulando.
O leque das motivações é amplo. Tem lugar, por exemplo, na coletânea de haicais, a abstração não dialética, mero efeito plástico do movimento:
o vento afaga
o cabelo das velas
que apaga
Mais adiante, no mesmo espírito:
no despenhadeiro
a sombra da pedra
cai primeiro
O Ocidente ocupa seu espaço nas reminiscências literárias:
moinhos ao vento
Quixote e Dulcinéia
no pensamento
Ou, na região dos mitos:
lindo sorriso
imagem no espelho
seduz Narciso
Certo zoomorfismo visita as melhores composições, inserindo no contexto o drama existencial:
pardal sozinho –
primeira aventura
fora do ninho
ou, sob outro foco:
ave calada –
ninho em silêncio
na madrugada
Ou, talvez, mais próximo da natureza:
terreno baldio
lixo revirado
gato vadio
Assinale-se certa convergência dos gatos e das aves nas representações naturais. Simbolizam a nostalgia do campo ou a fuga dos valores da cidade, como a recobrar a vertente arcádica.
Outra faixa temática se caracteriza pela intromissão de uma camada de romantismo amoroso, patente em:
cuco dá horas
mas não conta
por que demoras
ou:
sonho colorido
o sol dança com a lua
você comigo
E, mais liricamente galante:
brasa do tempo
acende quando passas
no pensamento
mais ainda:
ao te adorar
não sei mais se tens
corpo ou altar…
O erotismo cresce mediante o mesmo modelo verbal, contido e derramado ao mesmo tempo:
úmida gruta
desejo toma conta
boca na fruta
ainda:
homem e mulher
tudo pode ser
se você quiser
Outro aspecto é o gesto político, que reponta aqui e ali:
dia de eleição
primeiro o seu voto
depois a traição
e, mais incisivo criticamente:
crianças mortas –
mundo que escreve mal
por linhas tortas
Por fim, chamemos a atenção para o lado grotesco e bem-humorado do poeta:
ágil pivete
brinca como se fosse
zero zero sete
Aqui não falta a reverência a outro movimento literário do Ocidente, o Cubismo. O que desejamos documentar é a margem de estranhamento que o poeta se permite, aproximando, desta forma, o haicai da modernidade. Eis:
cubista musa
com os pés na cabeça –
obra confusa
Como todo poeta que se aventura no reino infinito da palavra artística, também a Carlos Seabra ocorre a sedução da metalinguagem. Só que na pauta do jogo cênico, irônico e irreverente:
haicai sem kigô
é de quem bebe saquê
e pisa na fulô
Aí está o conjunto de poemas de Carlos Seabra. Estas são as suas experiências. A amostra se configura expressiva. Surpreendente. De modo sutil, o poeta foi abrindo seu espaço na confraria dos versejadores. Os haicais foram o pretexto, em boa hora, para que ele executasse a sua ultrapassagem.
Fábio Lucas
Avisos e observações
A eventual publicação destes haicais em blogs e sites, uso em podcasts e mesmo publicação em papel, é facultada com as seguintes permissões: sem finalidades comerciais, até 3 haicais somente com citação do autor, até 10 haicais colocar junto a fonte, seja o livro ou o site; com fins comerciais, apenas 3 haicais no máximo, com citação do autor e fonte; outros casos, mediante autorização.
13/05/2008 às 20:26 |
eu queria que você fizece um haicai pra mim entender oque é haicai…
muito obrigado!
19/09/2013 às 11:33 |
Um haicai que inventei
Ande bem
até quebrar um vaso;
raiva alheia
31/08/2008 às 00:38 |
Seu Zebrum Quem Quem !
No vale dos quilombos.
fuma cachimbo.
14/05/2009 às 00:20 |
Gostaria de fazer contato com Carlos Seabra, sou um haijim…
14/05/2009 às 00:21 |
as mãos não alcançam
o caqui amarelo no pé
estará maduro?
petrô
30/10/2011 às 14:02 |
é muito bom esse poemas emclusive ja fis ate um trabalho com ele
14/11/2011 às 21:02 |
oh grande lua
por pouco não tocas
os galhos do salgueiro
petrô
27/01/2012 às 22:59 |
Passeando via internet,encontrei seu blog,fiquei encantada-Haicais
15/04/2012 às 12:41 |
nao conhecia os poemas haicai, mais agora estou conhecendo fico feliz por ter pessoas tão maravilhos fazendoo boemas tão lindos. parabéns… bjosss jasciara
15/04/2012 às 12:43 |
ah vou fazer trabalho com um desses poemas na minha escola. gosteii mt deles!
22/05/2012 às 11:36 |
Bom dia
Trabalho na escola Coopeducar e gostaria de saber como faço para adquirir um exemplar de Haicai e Que Tais.
Aguardo retorno, Ines
22/05/2012 às 12:35 |
Cara Maria Inês, a Eliana de Freitas mandou vosso e-mail dizendo que tentaram adquiri o livro no site deles.
Vou entrar em contato através de seu e-mail, ok?
30/05/2012 às 17:49 |
adorei esses haikais muito legais
15/07/2012 às 19:17 |
Sempre tão simples e… inusitados. É como um susto ao qual nos afeiçoamos. Gosto tanto de haicais!
17/08/2012 às 09:40 |
esses haicais são de mais
17/08/2012 às 09:41 |
esses
dai são de mais
30/08/2012 às 20:06 |
Haicai é uma poesia que você se inspira e realiza sua letra e o que é desejado por exemplo quando você vê uma árvore e gosta de fazer uma poesia haicai você só de olhar já faz então uma poesia haicai você tem que fazer com o coração com corpo e com a ala por isso que eu adoro fazer poesia haicai e quem me ensinou foi meu Professor favorito Prof° João Tóloi um ótimo criador de haicai
02/10/2012 às 20:14 |
Gostei dos haicais!!!!!!!!!!
09/11/2012 às 13:28 |
Maravilhosos oas haicais de Carlos Seabra. Um mestre, com certeza. Abraços
12/08/2013 às 19:01 |
eu estou trabalhando sobre isso e gostei dos haicais
26/08/2013 às 09:07 |
comcordo com vc regina são maravilhosos esses haicais
02/06/2014 às 21:16 |
são muito legais o seus haicais gostei muito
21/11/2016 às 16:02 |
Tenho mais de 1000 hai kais e procuro editora. O Curioso é: poucos são ao autores que li que seguem a métrica original como propunha o pioneiro Guilherme de Almeida: 5-7-5. Fica bem mais complicado mas muito mais divertido. Os do mestre Bashô , quando acontece, deve ser por causa da tradução…Sem essa métrica me parece que se tornam tercetos ou qualquer coisa em 7 ou 6 sílabas. Afinal um soneto tem que ser decassílabo ou não? Mas já que todo mundo está solto, eu também cometo minhas heresias, como colocar título e as vezes rimar, quando dá porque fica mais sonoro…Como fazer para entrar nessa caixa? Don Camilo de Floripa..
27/03/2019 às 13:32 |
Don Camilo? Já chegou a publicar seus 1000 haikais? Eu estou em vias de publicar uma coleção com 3 livros de Hai Kais.
Engraçado que também me incomodo um pouco com os autores brasileiros não se importarem muito com a divisão de sílabas original. Eu sou diferente, prezo pelo 5/7/5, porém com uma divergência importante do Guilherme de Almeida – eu não sigo a divisão métrica “poética” do português, preferindo seguir a forma “purista” japonesa, com a divisão em sílabas símples ao invés de sílabas poéticas.
Em geral isso se deve aos meus leitores – a maioria não faz nem idéia de como juntar e contar sílabas poéticas, então sempre que faço dessa forma todo leitor acaba apontando que fiz um haikai “errado” por não seguir o 5/7/5 (já que ensino para todo leitor que o Haikai é dividido dessa forma).
Enfim, eu já achei uma editora e estou em vias de publicar, será que gostaria de conversar um pouco? Estou procurando bons autores haikaístas que gostariam de escrever um curto prefácio para um dos meus livros.
grato,
Oliver
29/10/2017 às 19:11 |
Amei os haikais!! Teria como me ceder a referência do livro?
27/03/2019 às 18:05 |
O que significa ceder a referência, Claudenice? Se for para citar o livro fique à vontade!
27/03/2019 às 17:32 |
Carlos, gostei bastante de seus hai-kais, e também achei os textos no final surpreendentes críticas/análises literárias Como entro em contato com você? Ah, e talve com o Fábio Lucas, achei o texto dele particularmente excelente!
27/03/2019 às 18:00 |
Meu caro, pode me contactar pelo e-mail carlos@seabra.com ok?