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O celular na sala de aula

03/03/2013

MARÇO 2013

Artigo escrito para a publicação Educação em Revista, do Sindicato do Ensino Privado (SINEPE/RS), edição 96, de março de 2013.

É difícil cada vez mais encontrar algum aluno que não tenha consigo um aparelho celular. Assim como a imensa maioria dos brasileiros (onde já temos uma quantidade muito maior de celulares do que de pessoas no país), quase todo o aluno carrega no bolso, ou na bolsa, um desses dispositivos de comunicação.

Além de servir para dar telefonemas, o celular é também uma ferramenta para recebimento e envio de mensagens de texto, os torpedos. É uma máquina fotográfica, com qualidade cada vez maior, além de também ser um álbum de fotos, permitindo armazenar centenas de imagens ou publicá-las online. Além disso, também é uma filmadora, que possibilita assistir aos filmes feitos nela ou outros online. É um gravador de áudio para anotações e lembretes de voz, gravação de entrevistas, assim como é também um reprodutor de áudio, permitindo ouvir horas e horas de música. Muitos celulares possuem também a capacidade de recepção direta de rádio ou de TV.

Agenda de contatos, com os números telefônicos e e-mails, os endereços das pessoas e outras informações, como foto, data de aniversário etc., o celular é ainda um calendário de compromissos, permitindo configurar avisos para os eventos marcados (reuniões, provas, aniversários) com antecedência de minutos, horas ou dias. Bloco de anotações, planilhas eletrônicas, processador de textos, bancos de dados, mapas de sua cidade ou de qualquer recanto do país ou do planeta, com localização por satélite (GPS) são mais algumas de suas funções.

Navegação e pesquisa na web, tradução de idiomas, acesso a redes sociais, leitura e postagem em blogs, comunicação instantânea por texto, voz ou vídeo, além, é claro, de jogos de todos os tipos, paciências, desafios lógicos, destreza e ação, bem como simulações e ambientes interativos de construção de mundos – e mesmo várias aplicações de “realidade aumentada” (apresentando novos conteúdos, muitos em emulação tridimensional, seja a partir de imagens num livro didático ou mesmo nas ruas de uma cidade).

Apesar desta longa enumeração, que poderia ser ainda mais completa, pois há cada vez mais aplicações (apps) específicas disponíveis, boa parte gratuitamente, é de espantar como a escola não esteja usando todas estas possibilidades para usos pedagógicos, preferindo, na maioria dos casos, proibir sua utilização por parte dos alunos.

Quais os argumentos para impedir seu uso? Que o celular, se utilizado para o aluno conversar com terceiros durante a aula, pode ser um distrator é realmente um fato que deve levar à proibição de telefonemas durante a aula, claro. Porém, lápis e papel (e seu próprio cérebro mais ainda) também podem propiciar muita distração se o aluno não estiver engajado na aula.

A única forma de ferramentas, dispositivos e toda a atenção cognitiva dos alunos não serem usadas para distraí-los da aula é haver propostas e estratégias pedagógicas para sua utilização.

Pesquisas recentes apontam para que 88% dos alunos entrevistados levam seus celulares para a sala de aula, e 90% deles já o utilizou para fazer “cola”. Provavelmente, o mesmo que na época em que foram inventadas as canetas esferográficas e os alunos usavam pequenos papéis ou até partes do corpo para anotações. Claro que o celular, com toda a sua tecnologia, permite “cola” de modo muito mais eficiente. Como combater esse uso inadequado?

Para as utilizações que distraem, o professor deve fazer um combinado com os alunos, discutindo com eles usos aceitáveis e regras a serem observadas, pactuadas. Para a questão da cola, elaborar provas e outras formas de avaliação para as quais não exista cola que resolva, permitindo mesmo a consulta a anotações porventura feitas.

Estimular os alunos a coletarem dados para subsidiar informações e, assim, construírem seu conhecimento, ensiná-los a pesquisar usando as tecnologias disponíveis, pode fazer com que o celular ao invés de disputar com o professor a atenção dos estudantes seja um importante aliado no ensinar a aprender.

Imaginação pedagógica, envolvimento proativo dos alunos em projetos engajadores de seu interesse, ensino feito com carinho e inovação, troca de experiências com outros professores, avaliação crítica de sua metodologia, tudo isso são condições para que o celular – dispositivo computacional com recursos e capacidade muitas vezes maior do que o computador da Apolo que levou o homem à Lua e que está disponível no bolso de quase todos os alunos – possa ser, cada vez mais, uma ferramenta de aprendizagem na sala de aula.

Multirrecursos na ponta dos dedos

07/02/2013

JANEIRO 2013

Artigo reescrito para publicação na edição de fevereiro de 2013 no “Aula Aberta” da Scientific American Brasil.

Com potencial para revolucionar a sala de aula, os tablets exigem preparo dos professores e da administração escolar.

Há cerca de cinco mil e quinhentos anos, os sumérios inventaram uma das primeiras formas de escrita. Usando um tipo de estilete de cana, faziam inscrições, em formato de cunha (daí a designação desse tipo de escrita: cuneiforme), nesses “tablets” primitivos de argila.

Hoje, muitos passos após (hieróglifos em pergaminhos, monges copistas, Gutenberg, lápis, caneta e papel, máquinas de datilografar, computadores), as tabuletas retornam como avanço máximo da tecnologia digital na ponta dos dedos.

As interfaces de tocar na tela, presentes tanto nos tablets quanto nos celulares, estes mais disseminados ainda (tanto que já há muito mais deles do que bolsos que os carregam), dão aos dedos funções para além de teclar em letras e números. Permitem que se desenhe diretamente na tela, que movimentos de pinça, com indicador e polegar opositor, aumentem ou diminuam imagens, que as rotacionem ou arrastem.

A leitura de livros (mas também de jornais e revistas) é uma experiência quase próxima, embora ainda não igualável, à proporcionada pelo papel, permitindo destacar trechos, redigir anotações e, principalmente, carregar sem aumento de peso centenas de obras. Só por este aspecto as costas dos alunos agradecem o alívio do peso em suas mochilas escolares.

Conectados à internet, seja por redes locais sem fio (wi-fi) ou por conexão de telefonia (3G), o tablet é um navegador que permite acessar qualquer sítio na web, fazer pesquisas em buscadores e enciclopédias, acessar blogs e publicá-los, assistir filmes e ouvir música ou programas de rádio. Permite acessar o correio eletrônico, para ler e enviar e-mails, assim como comunicação direta através de mensageiros instantâneos, para bate-papo, ou acessar redes sociais, como Twitter e Facebook.

Os tablets funcionam, ainda, como máquinas fotográficas, permitindo tirar fotos, editá-las e publicá-las, em álbuns online ou blogs. Também permitem gravar e editar arquivos em áudio, funcionando como gravador para anotações pessoais ou mesmo entrevistar pessoas para trabalhos escolares. Dotados de sensor de posicionamento e GPS, permitem interagir com mapas e georreferenciar, com poucos metros de imprecisão, a exata posição do tablet no planeta (útil para se fazer webgincanas, por exemplo, ou recuperar o tablet no caso de perda).

Todas estas características, reunidas num só aparelho, portátil e leve, com a capacidade de processamento inúmeras vezes maior que os primeiros computadores militares (que custavam milhões de dólares e pesavam muitas toneladas) certamente são um conjunto de recursos que podem viabilizar inúmeras atividades pedagógicas, facilitar a visualização de conteúdos cognitivos, estimular atividades cooperativas e o desenvolvimento de projetos.

Além do acesso à internet e a livros, o aluno pode interagir com infográficos, com simulações, com jogos educacionais, fazer simulados de provas (Enem, por exemplo) e outros exercícios, além de acessar cursos à distância.

As pessoas vão deixar de ler livros no bom e consagrado formato de edições em papel? No caso dos livros didáticos e dos dicionários, em boa parte sim; no caso de romances, de poesia, quase certamente não. Afinal, o papel é uma tecnologia comprovadamente resistente, que não necessita de fonte de energia, e assim como o cinema não acabou com o teatro, nem a televisão acabou com o cinema, o livro possui inúmeras vantagens. O maior inimigo dos livros não são os leitores de formatos digitais (que nos grandes sistemas online são também os maiores compradores de edições em papel) mas sim os não-leitores.

Os alunos desaprenderão a escrever com lápis e caneta no papel e sua caligrafia será um horror? O importante é aprender a escrever e ter prazer nisso. Se o instrumento utilizado para a escrita ou o desenho é a ponta do dedo, uma caneta ou um pincel, isso faz parte da diversidade de recursos cuja apropriação a escola deve estimular. Se a caligrafia for considerada importante, convenhamos que o tablet pode permitir estratégias mais adequadas e interativas do que canetas tinteiro.

Outro aspecto essencial para gestores e educadores é o lado prático de como usar os tablets na sala de aula, do ponto de vista técnico e administrativo. A escola deverá se preocupar com o gerenciamento de grupos de tablets, com diferentes níveis de permissões de acesso ou conteúdos instalados, consoante o perfil dos usuários, alunos e professores.

Existem vários softwares (tipo MDM – Mobile Device Management) que permitem fazer isso, carregando o mesmo aplicativo em até centenas de tablets ao mesmo tempo, ou desligando as funções de comunicação durante a aula, para os alunos não ficarem se comunicando por e-mail, chat ou SMS, em vez de usar somente o material didaticamente planejado. A navegação na web também pode ser desligada, com a liberação de alguns sites específicos. A escola pode definir que certos aplicativos, como jogos, por exemplo, só podem ser acessados fora do horário de aula, a menos que o professor deseje usar algum e solicite sua liberação.

Outras questões a serem planejadas são o carregamento da energia de dezenas de tablets ao mesmo tempo, ou o transporte para a sala de aula, armários para armazenagem etc. Isto caso os tablets sejam usados só na escola, pois se os alunos os levarem para casa – o que permite interessantes usos em “lições de casa” e interação familiar – a problemática muda de aspecto, envolvendo outros cuidados, inclusive preocupações com segurança.

A escola deve se preocupar também com o consumo de banda larga, que subirá exponencialmente com classes inteiras conectadas online, assistindo vídeos, baixando conteúdos multimídia, publicando em blogs e redes sociais. Outro aspecto estrutural é a conectividade sem-fio, que exige vários repetidores de wi-fi para assegurar a cobertura em todos os ambientes.

É importante também que o tablet do professor possa não só se comunicar com os dos alunos, para acompanhá-los e interagir de várias formas, como ter sua imagem compartilhada com a classe através de um projetor multimídia ou uma lousa eletrônica.

Esses usos do tablet na escola exigem um professor preparado, dinâmico e investigativo, pois as perguntas e novas situações que surgem fogem do controle preestabelecido do currículo. Essa é a parte mais difícil desta tecnologia. E esse é o papel insubstituível do professor: elaborar estratégias que deem signifcado a essa porta que se abre para o universo do conhecimento. Sem isso, equipamentos e software podem apenas ser modismos adestradores de um mercado consumidor, perdendo-se a oportunidade de promover uma efetiva mudança na área do ensino.

Redes sociais e tecnologias no contexto escolar

25/07/2012

JULHO 2012

Artigo escrito para a publicação do 29º Congresso da Rede Sinodal. Publicada em novembro de 2012 no “Aula Aberta” da Scientific American Brasil.

As redes sociais existem há milhares de anos, fazem parte da própria civilização e da cultura da humanidade de modo tão intrínseco que mal temos consciência de sua existência. Além das relações presenciais, há muito que a distância tem sido superada por mecanismos de comunicação como a escrita, os correios, a imprensa, o rádio, o telégrafo, a televisão etc.

Porém, as redes sociais hoje estão em evidência e o senso comum designa cada vez mais por este termo as redes que se desenvolvem através das tecnologias de informação e comunicação na internet (Twitter, Facebook, Foursquare, Delicious, Skoob, LiveMocha, Flickr, YouTube, Wikipédia e muitas mais), além de outros ambientes de interação na web.

Sua interconexão com a mobilidade (celulares, smartphones e tablets), torna as redes sociais ainda mais em poderosos e naturais instrumentos para que a humanidade faça o que sempre fez desde o início de nossa espécie: tecer relacionamentos, físicos ou virtuais, envolvendo finalidades profissionais, sexuais, amizades, casamentos, negócios… Como isso pode ser usado na educação é algo que necessita, principalmente, de acompanhamento e engajamento proativo dos professores, que podem através desses ambientes acompanhar, mais do que nunca, como seus alunos pensam, como se expressam, e assim desenvolver e adequar suas estratégias pedagógicas.

A forma em que as redes sociais podem ser usadas como ferramenta pedagógica – e certamente elas têm esse grande potencial – é justamente um desafio para os próprios professores procurarem essa resposta!

O contexto está dado: as redes sociais são usadas pelos alunos de forma intensiva e um professor que apenas acompanhe o que seus alunos ali escrevem, que veja os interesses, os assuntos sendo discutidos, que perceba como eles se comunicam, como articulam suas discussões, esse professor terá no mínimo um conhecimento ímpar de como seus alunos pensam e como interagem.

Usar os dispositivos de comunicação para o ensino e a aprendizagem, evitando que seja mais um dispersor de atenção, ainda é um grande desafio! Sem dúvida que tais recursos precisam ser usados, mas o caminho passa por inúmeras questões que não são novas mas ficam bastante agravadas com essas tecnologias. Há que se evitar, por um lado, o simples banimento da sala de aula ou da escola. Por outro lado, evitar também que sejam distrações que prejudiquem a aprendizagem, tirando o foco do que realmente interessa – que é o processo de construção do conhecimento.

Como usar um livro ou um filme na aula? Certamente boa parte dos professores terá algumas respostas para isso, embora saibamos o quão ainda são mal utilizados na escola esses recursos. Assim como não basta pegar um filme e exibí-lo em sala de aula (é necessário pensar atividades antes ou durante sua exibição, além de talvez exibir apenas um trecho significativo) também não se trata de “liberar” o uso do telefone celular em sala de aula.

O uso de celulares em sala de aula pode ser uma interessantíssima possibilidade ainda pouco estudada e aplicada, com contradições que podem ser mais um motivo de conflitos e proibições do que uma real oportunidade de ferramenta de ensino e aprendizagem. A grande preocupação e justo receio dos educadores é com o potencial desvio de atenção que os alunos podem ter: imaginemos durante uma aula eles ficarem a conversar com namorados, familiares ou amigos! Mas o mesmo potencial distraidor podem ter as canetas e folhas de papel, pois um aluno pode não prestar atenção à aula e fazer outras coisas com esses recursos. Claro que o exemplo é fraco, pois o potencial de distração do celular é muito maior, canetas e papéis não tocam e não fazem outras tantas coisas… O principal, a nosso ver, é uma experimentação e uma pactuação do professor com os alunos: experimente discutir com eles os limites e as possibilidades, como uma abordagem inicial.

É necessário pensar nas ações, nas tarefas, nos processos cognitivos envolvidos, ter uma estratégia pedagógica, seja para o uso de celulares seja para tablets ou mesmo computadores. E pensar isso pensando não só na sala de aula mas também na integração com outros momentos da vida dos alunos, em suas casas, em atividades extra-escola etc.

Quando são meros distratores, quando não são utilizadas de forma integrada em estratégias de ensino e aprendizagem, estas tecnologias todas podem até atrapalhar mais do que ajudar. Assim como papel e lápis por si não resolvem nada e até podem ser usados para produzir material preconceituoso, racista ou sexista, assim como o audiovisual pode apenas tirar a atenção e o foco de uma aula, tudo o que não seja pensado e não tenha uma proposta de uso consistente pode impactar negativamente.

Não existem receitas prontas nem ditames a seguir. O grande desafio é justamente esse: os educadores devem se apropriar das tecnologias para pensar que usos podem fazer delas. E não ter receio de experimentar, de errar, nem tampouco cair na armadilha de acreditar em soluções prontas e mágicas!

O desenvolvimento do senso crítico é um dos esteios da educação, sem dúvida. O uso da internet e das redes sociais apenas permite maior integração e transparência das relações entre os alunos e deles com assuntos e temas de seu interesse. Cabe aos educadores aproveitar a possibilidade aberta por essas tecnologias para acompanhar mais de perto os jovens e construir, em conjunto com eles, novos processos integradores da formação crítica de cidadãos, de artistas, cientistas, profissionais, de seres humanos na mais plena acepção.

Não basta colocar um monte de computadores, DVDs e outros artefatos nas escolas. É preciso focar os esforços nos processos de ensino e aprendizagem, de modo criativo e crítico, buscando aliar a inovação tecnológica, o lúdico e o motivacional, com a seriedade pedagógica que tantas vezes sucumbe ante as rotinas desmobilizadoras e desinteressantes que são os verdadeiros geradores dos resultados dessas avaliações, que colocam nosso país num patamar muitas vezes inferior a seu real potencial.

As novas tecnologias de informação e comunicação são extensões do cérebro, permitem concretizar conceitos, juntar dados a informações significativas, desenvolver projetos que exijam a aplicação prática de conceitos teóricos…

Mas é necessário levar em conta que o mero uso dessas tecnologias não garante maior domínio da linguagem ou do raciocínio, não assegura a formação cultural nem o desenvolvimento de cidadãos, pois isso somente é assegurado quando há uma efetiva apropriação pelo projeto pedagógico, e esse é o desafio que torna os professores o elemento central dessa questão.

As tecnologias potencializarem a aprendizagem é um fato somente se houver o engajamento dos professores e dos alunos em projetos específicos, pois não é algo que ocorra espontaneamente, a não ser em casos esporádicos. Engajar os alunos em atividades que levem à leitura e escrita, ao raciocínio, à pesquisa e à produção, seja em processos de comunicação escrita com alunos de outras cidades, redação de pequenos contos ou poesias, ou minirreportagens e publicação em blogs, são alguns exemplos de possibilidades que permitem que esse potencial redunde em estímulo e facilitação da aprendizagem.

É fundamental que os professores coloquem a “mão na massa”, que experimentem, que se apropriem. Sem isso, abrir-se-á um grande fosso entre eles e seus alunos, e mais ainda, entre eles e um mundo cada vez mais digital. As tecnologias, disseminadas em larga escala e que estão sendo usadas até pelas classes mais carentes, devem ser pensadas também do ponto de vista dos educadores, que as usem em seu quotidiano, em sala de aula, para se atualizarem, para fazerem um uso pedagógico das mesmas.

O papel do professor é cada vez mais o mesmo: que ele deve ser, sempre, um estimulador da aprendizagem, que saiba perceber o que se passa na cabeça de seus alunos, que identifique suas dificuldades de aprendizagem, que procure criar estratégias facilitadoras da construção do conhecimento.

A função de educar não é mais dominar todas as informações e as repassar aos alunos, mas sim acompanhá-los na pesquisa dessas informações, estimulando o pensamento crítico e autônomo e preparando-os para aprenderem a aprender.

Outro aspecto importante a considerar é que, a cada dia, mais pessoas das classes mais carentes têm acesso às novas tecnologias, incluindo internet e celulares. Mesmo a imensa parcela da população que ainda não tem acesso será incluída, com o barateamento do custo dos equipamentos e políticas de universalização. O grande desafio é desenvolver estratégias pedagógicas, atividades motivadoras e projetos que levem à construção do conhecimento, pensando-se em promover uma “inclusão cognitiva” para além da chamada inclusão digital.

Tablets na sala de aula

22/04/2012

ABRIL 2012

Íntegra do artigo escrito para a publicação Educação em Revista, do Sindicato do Ensino Privado (SINEPE/RS), edição 91, de abril/maio de 2012.

Há cerca de cinco mil e quinhentos anos, os sumérios inventaram uma das primeiras formas de escrita. Usando um tipo de estilete de cana, faziam inscrições, em formato de cunha (daí a designação desse tipo de escrita: cuneiforme), nesses “tablets” primitivos de argila.

Hoje, muitos passos após (hieróglifos em pergaminhos, monges copistas, Gutenberg, lápis, caneta e papel, máquinas de datilografar, computadores), as tabuletas retornam como avanço máximo da tecnologia digital na ponta dos dedos.

As interfaces de tocar na tela, presentes tanto nos tablets quanto nos celulares, estes mais disseminados ainda (tanto que já há muito mais deles do que bolsos que os carregam), dão aos dedos funções para além de teclar em letras e números. Permitem que se desenhe diretamente na tela, que movimentos de pinça, com indicador e polegar opositor, aumentem ou diminuam imagens, que as rotacionem ou arrastem.

A leitura de livros (mas também de jornais e revistas) é uma experiência quase próxima, embora ainda não igualável, à proporcionada pelo papel, permitindo destacar trechos, redigir anotações e, principalmente, carregar sem aumento de peso centenas de obras. Só por este aspecto as costas dos alunos agradecem o alívio do peso em suas mochilas escolares.

Conectados à internet, seja por redes locais sem fio (wi-fi) ou por conexão de telefonia (3G), o tablet é um navegador que permite acessar qualquer sítio na web, fazer pesquisas em buscadores e enciclopédias, acessar blogs e publicá-los, assistir filmes e ouvir música ou programas de rádio. Permite acessar o correio eletrônico, para ler e enviar e-mails, assim como comunicação direta através de mensageiros instantâneos, para bate-papo, ou acessar redes sociais, como Twitter e Facebook.

Os tablets funcionam, ainda, como máquinas fotográficas, permitindo tirar fotos, editá-las e publicá-las, em álbuns online ou blogs. Também permitem gravar e editar arquivos em áudio, funcionando como gravador para anotações pessoais ou mesmo entrevistar pessoas para trabalhos escolares. Dotados de sensor de posicionamento e GPS, permitem interagir com mapas e georreferenciar, com poucos metros de imprecisão, a exata posição do tablet no planeta (útil para se fazer webgincanas, por exemplo, ou recuperar o tablet no caso de perda).

Todas estas características, reunidas num só aparelho, portátil e leve, com a capacidade de processamento inúmeras vezes maior que os primeiros computadores militares (que custavam milhões de dólares e pesavam muitas toneladas) certamente são um conjunto de recursos que podem viabilizar inúmeras atividades pedagógicas, facilitar a visualização de conteúdos cognitivos, estimular atividades cooperativas e o desenvolvimento de projetos.

Além do acesso à internet e a livros, o aluno pode interagir com infográficos, com simulações, com jogos educacionais, fazer simulados de provas (Enem, por exemplo) e outros exercícios, além de acessar cursos à distância.

As pessoas vão deixar de ler livros no bom e consagrado formato de edições em papel? No caso dos livros didáticos e dos dicionários, em boa parte sim; no caso de romances, de poesia, quase certamente não. Afinal, o papel é uma tecnologia comprovadamente resistente, que não necessita de fonte de energia, e assim como o cinema não acabou com o teatro, nem a televisão acabou com o cinema, o livro possui inúmeras vantagens. O maior inimigo dos livros não são os leitores de formatos digitais (que nos grandes sistemas online são também os maiores compradores de edições em papel) mas sim os não-leitores.

Os alunos desaprenderão a escrever com lápis e caneta no papel e sua caligrafia será um horror? O importante é aprender a escrever e ter prazer nisso. Se o instrumento utilizado para a escrita ou o desenho é a ponta do dedo, uma caneta ou um pincel, isso faz parte da diversidade de recursos cuja apropriação a escola deve estimular. Se a caligrafia for considerada importante, convenhamos que o tablet pode permitir estratégias mais adequadas e interativas do que canetas tinteiro.

Esses usos do tablet na escola exigem um professor preparado, dinâmico e investigativo, pois as perguntas e novas situações que surgem fogem do controle preestabelecido do currículo. Essa é a parte mais difícil desta tecnologia. E esse é o papel insubstituível do professor: elaborar estratégias que deem signifcado a essa porta que se abre para o universo do conhecimento. Sem isso, equipamentos e software podem apenas ser modismos adestradores de um mercado consumidor, perdendo-se a oportunidade de promover uma efetiva mudança na área do ensino.

Um desafio, o protagonismo cognitivo

28/11/2010

NOVEMBRO 2010

Texto escrito para a publicação Tecnologias na escola, do Fronteiras do Pensamento, em novembro de 2010.

Como nenhum outro meio de comunicação anterior, a internet nos coloca interativamente em contato, superando barreiras de idade, sexo, cultura, preconceitos e, principalmente, distância geográfica. Aqui, cada um pode não apenas ler o que quiser quando tiver vontade, mas pode escrever, participar… Junto com novas soluções e perspectivas vêm também novas exigências sobre antigas habilidades.

Com as rápidas transformações nos meios e nos modos de produção, a natureza do trabalho e a relação econômica entre as pessoas e as nações sofrerão enormes transformações e, neste quadro, a educação não apenas tem que se adaptar às novas necessidades como, principalmente, tem que assumir um papel de ponta nesse processo.

Para que estas tecnologias sejam significativas, não basta que os alunos simplesmente acessem as informações: eles precisam ter a habilidade e o desejo de utilizá-las, saber relacioná-las, sintetizá-las, analisá-las e avaliá-las – quando os alunos se esforçam para ir além de respostas simples, quando desafiam ideias e conclusões, quando procuram unir eventos não relacionados dentro de um entendimento coerente do mundo. Sua aplicação mais importante está fora da sala de aula – e é para ai que o ensino deve voltar seu esforço. A habilidade de pensar criticamente pouco valor tem se não for exercitada no dia a dia das situações da vida real.

Claro que isto não ocorre espontaneamente, e ai entra o papel do professor, encorajando os alunos a fazer conexões com eventos externos ao mundo da sala de aula, descobrindo a ligação entre situações vividas e os conteúdos curriculares. Existem muitas táticas que o professor pode utilizar e que podem ser enormemente motivadoras, estimulando processos de transferência – e essa experiência o professor já tem, basta não se considerar um “ignorante em informática” e buscar aplicar na nova midia sua base de conhecimentos, estando aberto à pesquisa e ao autoaprendizado continuos.

Esse uso do computador exige um professor preparado, dinâmico e investigativo, pois as perguntas e situações que surgem na classe fogem do controle preestabelecido do curriculo. Esta é a parte mais dificil desta tecnologia. E esse é o papel insubstituivel do professor: elaborar estratégias que deem significado a essa enorme e fantástica porta que se abre para o universo do conhecimento da humanidade. Sem isso, a internet, equipamentos e software podem apenas ser modismos adestradores de um mercado consumidor, perdendo-se a oportunidade de promover uma efetiva mudança na área do ensino.

Microcontos, literatura mínima

25/02/2010

FEVEREIRO 2010

Artigo escrito para o site MobileFest e para a revista Língua Portuguesa, edição de abril de 2010.

O precursor e talvez o mais famoso microconto já produzido, do escritor guatelmateco Augusto Monterroso, “Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí” (Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá), consolidou uma nova vertente de microliteratura, com o desafio de contar alguma coisa em pouquíssimas palavras de contados toques.

Alguns autores conceituam e estipulam limites precisos, nascendo assim algumas classificações: nanocontos (até 50 letras, sem contar espaços e acentos), microcontos (até 150 toques, ou seja, contando letras, espaços e pontuação) e minicontos (alguns estipulando 300 palavras, outros limite de 600 caracteres). Nada disso é muito rigoroso e depende de critérios editoriais de quem os adotou.

O limite de 150 toques cabe no formato de envio de texto pelo celular, o chamado “torpedo” (ou SMS, short message service). Hoje está-se a usar bastante o limite de 140 toques, limite do Twitter – cada vez mais um grande difusor da microliteratura e que provavelmente acabará impondo este limite como “default”.

Antes de tudo uma divertida brincadeira, os microcontos (nas vertentes de crônicas, contos, aforismos e outras variações) estarão próximos ao minimalismo pós-moderno? Uma coisa é fato, a micronarrativa contém vários ingredientes do nosso tempo, a velocidade e a condensação, a possibilidade de publicação em celulares, painéis eletrônicos, rodapé de e-mails (ou até mesmo em algo mais démodé: tampas de caixas de fósforos). Ao mesmo tempo, há algo neles que remete aos haicais, a tradicional poesia de origem japonesa, com apenas três linhas e um total de 21 sílabas – de certa forma com o mesmo poder de concisão destes porém com a liberdade da prosa.

Alguns escritores de reconhecido talento já brincaram nestas searas, como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Millôr Fernandes, Dalton Trevisan e tantos outros, ainda que a maioria sem pensar no conceito de “microcontos”. Literatura de alta velocidade? Sônia Bertocchi nos lembra que Drummond já antecipava que “escrever é cortar palavras”, Hemingway sugeriu “corte todo o resto e fique no essencial” e João Cabral proclamou “enxugar até a morte”. A mesma Sônia, em seu blog “Lousa digital” (outra forma atual de publicar que tantos efeitos ainda vai provocar na produção literária), diz que “Seguindo à risca a lição dos mestres, chegamos aos microcontos: ‘miniaturas literárias’ que cabem em panfletos, filipetas, camisetas, adesivos, postes, muros, tatuagens, cartão postal, hologramas, desenhos animados, arquitetura, instalação, música… e que podem ser lidas no ônibus, no metrô e… nas telas do computador (cá entre nós, um prato cheio para propostas atrativas de ensino de literatura e integração de novas tecnologias)”.

Entre outros inúmeros conselhos acerca de como dizer muito e escrever pouco, podemos destacar também Blaise Pascal “Se escrevi esta carta tão longa, foi por não ter tido tempo para fazê-la mais curta”, Isabel Allende “Usar o substantivo certo para evitar dois ou três adjetivos”, São Gregório de Nazianzo “Ser breve não é, como julgas, escrever poucas sílabas, mas dizer muito com poucas” e Thomas Jefferson “O mais valioso de todos os talentos é aquele de nunca usar duas palavras quando uma basta”.

De certa forma, o microconto tem uma outra dimensão: ele é como uma ligação muito forte através de um furinho de agulha no universo, algo que permite projetar uma imagem de uma realidade situada em outra dimensão. Como se através desse furo, dois cones se tocassem nas pontas, um cone menor, que é o que está escrito no microconto, outro cone maior, que é a imaginação a partir da leitura de cada um – pois mais do que contar uma história, um microconto sugere diversas, abrindo possibilidades para cada um completar as imagens, o roteiro, as alternativas de desdobramento.

Seja seu destino a publicação em celulares, camisetas, postais, folhetos na praia, cartazes nos postes, azulejos, hologramas, blogs, e-mails, no twitter, o mero esquecimento ou o lixo simplesmente, uma coisa posso afirmar: microconto é um belo exercício de criatividade, síntese e algo muito divertido de escrever!

Os direitos autorais e os escritores

20/10/2008

OUTUBRO 2008

Artigo escrito para o Seminário “Autores, Artistas e seus Direitos” (ocorrido no Rio de Janeiro, dias 27 e 28 de outubro de 2008), promovido pelo Ministério da Cultura.

O “direito do autor” nasceu há cerca de 300 anos, em vários lugares do mundo assumindo características diferentes e mudando ao longo desse período inúmeras vezes e em diversos aspectos.

A discussão que o Fórum Nacional de Direito Autoral possibilita é de enorme importância para todos os envolvidos, dos autores a seus leitores, passando pelos intermediários, também importantes partícipes nesta questão.

Os direitos autorais não podem ser reduzidos a um único aspecto, ao contrário, devem ser encarados sob diferentes perspectivas: da sociedade, da cultura do País, dos leitores, dos autores, da área editorial, da educação – levando em conta que cada uma dessas perspectivas, já per si, carrega muitas vezes contradições com outros aspectos do problema. Portanto, a primeira coisa a fazer é mapear claramente as variáveis envolvidas, os entraves percebidos na atual legislação, as novas propostas, as contradições entre os diversos interesses.

Somente com um levantamento e equacionamento claro das questões relacionadas será possível engajar os setores envolvidos, bem como a sociedade em geral, num debate frutífero, permitindo juntar as concordâncias de um lado, listar as dúvidas de outro, e ter clareza das divergências e seus motivos.

Vejamos alguns desses aspectos a considerar. À sociedade como um todo interessa o acesso às obras literárias, e para que esse acesso ocorra as obras esgotadas devem ser reimpressas, novas obras devem ser editadas, a distribuição deve chegar a todos os locais, livrarias, bibliotecas, com preços acessíveis e tiragens significativas. A atual estrutura produtiva, envolvendo edição, distribuição e venda, necessita de boa parte do arcabouço assegurado pelo copyright, e os autores necessitam ser lidos e serem remunerados, ou pelo menos uma das duas coisas.

Existem diferentes tipos de autores, e várias necessidades de direitos. O autor que vende muito e vive disso, inclusive os da área de didáticos e paradidáticos, tem um tipo de interesse diferente do autor que não possui mercado mas deseja ser lido – para este, uma flexibilização dos direitos de reprodução pode abrir até novas perspectivas. Outra situação ainda é a de obras cujo autor já faleceu e a procura dos detentores dos direitos configura tarefa árdua e custosa, ou obras cujo interesse de reedição a editora não tem nem tampouco cede seus direitos a quem as deseje publicar.

Assim, a questão da flexibilização de direitos tem diferentes aspectos a considerar, dependendo da situação e da natureza da obra e de seu status. Se, por um lado, temos obras com valor específico de mercado, com características próprias de exploração (tais como livros didáticos, por exemplo), outras quase não possuem valor de mercado, mas sim valor cultural (obras esgotadas que não encontram interessado em seu relançamento, pequenas tiragens de autor etc.).

Há ainda outros interesses a levar em conta, tal como o interesse da cultura nacional, que envolve necessariamente políticas públicas que contemplem os interesses maiores da sociedade, pois há que se considerar também nesta questão os direitos do público. Nascida na área do audiovisual, por iniciativa da Federação Internacional de Cineclubes, a Carta de Tabor levantou este aspecto em 1987, referente aos direitos do público – num documento que hoje está mais atual e relevante do que nunca e cuja abrangência de conceitos pode e deve ser trazido para a área da literatura e outras.

Outro fator a levar em conta, o poder econômico pode gerar distorções na aplicação das leis e isto freqüentemente paralisa atividades culturais e educativas. Aqui, o uso justo (fair use) é algo a ser discutido, pois é um conceito largamente usado em outros países e que no nosso não existe juridicamente.

O atual formato da lei dá muito poder aos intermediários e empresas da indústria cultural, em detrimento dos próprios autores, em sua imensa maioria não beneficiados com o produto econômico de suas obras.

Nisto, também entra a discussão de formatos alternativos ao Copyright, tal como o Creative Commons – que, ao contrário do que muita gente pensa, não significa liberação total de todos os direitos de toda a obra, e sim a reserva de alguns direitos (que o licenciante define quais são, se trechos podem ser usados para obras derivadas, se pode ou não haver uso comercial, e mais uma série de características definidas pelo autor). Assim, um autor pode permitir que se copie, distribua ou crie obras derivadas sem necessidade de consulta prévia. Para tal, basta que se dê os créditos ao autor, não se utilize o conteúdo com fins comerciais e que, no caso de transformação, alteração ou criação com base na obra, o novo material use a mesma licença. E um autor não necessita licenciar toda a sua obra, podendo fazer uma experiência com um de seus livros ou com contos ou poemas, só para ver o que ocorre.

Esta modalidade tem ocorrido geralmente em publicações na internet, em sites ou blogs de autores, em portais de conteúdo colaborativo, e mesmo na publicação editorial em suporte digital, para download – trazendo muitas vezes novas possibilidades de distribuição, possibilitando o acesso à leitura de obras que estariam fadadas à não circulação.

O tempo de validade, após a morte do autor, da exploração dos direitos autorais deve ser também motivo de debate, pois ao longo do tempo tem vindo a ser ampliado (o chamado efeito “Disney”, pois sempre que o rato Mickey vai cair em direito público, tem sido prorrogada a vigência dos direitos sobre a obra) e muitas vezes torna impeditiva a reedição da obra, cujos direitos estão reservados, mas não se encontra quem os detenha para negociar.

É fundamental garantir os direitos autorais ao escritor (inclusive àqueles que escrevem sob contrato de trabalho em órgãos de comunicação), considerando também o interesse da cultura nacional e os direitos do público, levando em conta a cadeia produtiva editorial mas buscando-se impedir a privatização de nossa cultura por parte das grandes empresas.

As novas tecnologias e a democratização da TV

01/08/2007

AGOSTO 2007

Artigo escrito para a Sesc TV e publicado em agosto de 2007.

Com o recente debate sobre a TV Digital e, apesar de alguns pesares, a possibilidade de alargamento democrático da TV no Brasil, surgem algumas perspectivas novas de protagonismo social, educacional e cultural.

A convergência de mídias (celulares que filmam, por exemplo), os softwares que fazem de cada computador pessoal uma ilha de edição, a possibilidade quase que ilimitada de publicação e distribuição nos ambientes online – tudo isso pode implicar em novas oportunidades (e novos desafios) para a democratização do acesso e, principalmente, da produção e distribuição de conteúdos audiovisuais.

O papel e as possibilidades dos usuários e espectadores podem dar novos saltos de qualidade, a serviço do consumo crítico e da formação de novos olhares. Assim, há que alargar perspectivas para o fato que programas de TV podem ser copiados (embora esse debate implique aspectos no campo da propriedade intelectual) e sua cópia pode ser vista quando o professor ou os alunos melhor entenderem, fugindo às limitações do timing do broadcast.

Além de gravar os conteúdos, seja na escola, no lar, ou em outras entidades, os espectadores proativos poderão selecionar partes que lhes interessem, editar o som, a imagem, inserir conteúdos, numa remixagem geradora de novas possibilidades educacionais – inclusive engajando os alunos tanto no desenvolvimento de novas competências, quanto na pedagogia focada em projetos de áudio, de vídeo, de multimídia.

O apoderamento das novas tecnologias tem trazido também formas inovadoras de produção social de conteúdos. A experiência de organização do público na forma de cineclubes gera cada vez mais experiências de produção alternativa, bem como articulação de novas formas de distribuição e acesso a filmografias clandestinizadas pelos modelos concentracionistas das indústrias do audiovisual – que sepultam a diversidade cultural, condenada a lutar pelos 15% que sobram fora do que está dominado pela Motion Pictures.

Obviamente que jamais os blogs concorrerão com as obras-primas da literatura, mas certamente muitos escritores de nova geração nascerão da publicação inicialmente feita na web, assim como os excluídos da distribuição livreira já têm na internet uma alternativa. Do mesmo modo, filmes produzidos amadoristicamente não competem com o cinema, e não suprem a demanda cada vez maior de alimentação das grades televisivas – aí incluídas não só as TVs comerciais, mas também as educativas e culturais, e agora o promissor projeto de TV Pública nacional – mas criam um novo nicho de produção, de consumo e de vivência democrática que ainda pode dar muitos frutos, tanto na forma de produções inovadoras como na formação de público e novos profissionais.

Um exemplo desse novo protagonismo vem dos Pontos de Cultura, hoje mais de 600 em todo o Brasil e com a perspectiva anunciada pelo Ministério da Cultura (patrocinador da iniciativa) de atingirem a marca de mil até o final deste ano. Dentre inúmeras atividades – resgate da tradição oral de contadores de histórias, ações de pontos de cultura com escolas públicas, criação de webrádios e podcasts com música livre (creative commons), software livre etc. – destaca-se também o projeto “Vídeos de Bolso”, que promove oficinas de produção de minifilmes (em torno de um minuto de duração, com até 5Mb de tamanho).

Esses “vídeos de bolso” são filmados com câmeras de celulares e máquinas fotográficas digitais, editados em software livre no computador e publicados na web ou enviados por e-mail ou por mensagens multimída no celular. Tanto podem ser edições de material filmado pelas pessoas quanto remixagens de material livre encontrado online, minidocumentários da realidade local, intervenção política, vídeoarte, histórias de vida, miniclipes…

Numa demonstração das possibilidades de interação entre esse tipo de protagonismo, a produção alternativa de audiovisual e a TV Pública, os Vídeos de Bolso estão sendo levados ao ar em um convênio com a TV Brasil – Canal Integración, que já os está exibindo nos intervalos de programação em 18 países além do nosso (e que já solicita maior quantidade de produções para atender a demanda de seu recém criado núcleo de comunicação participativa e colaborativa).

Algumas considerações sobre Tecnologia Social

01/10/2006

OUTUBRO 2006

Artigo escrito para o Portal da RTS – Rede de Tecnologia Social, e publicado em outubro de 2006.

Toda a tecnologia social deve ser planejada para combater algum problema que afete os indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede a qualidade de vida da população a partir dos eixos de educação, expectativa de vida e renda. Ao par disso, o ideal é que as tecnologias sociais tenham os seguintes componentes: a) participação da comunidade, b) organização social, c) baixo custo, d) sistematização, e) reaplicabilidade, f) acompanhamento e g) avaliação.

Este cenário ainda é difícil de ser encontrado, pois boa parte das tecnologias sociais não apresentam todos os requisitos. Mas nem por isso elas devem deixar de ser reconhecidas como tal. Não se deve cometer o erro de criar um molde e tentar colocar os projetos nele para que possam ser chamados de tecnologia social. Também é importante não cair no extremo oposto: chamar qualquer projeto de tecnologia social. O fundamental é atender a pelo menos alguns desses critérios.

O aspecto menos implementado na área de Tecnologia Social, a nosso ver, tem sido a ausência de metodologias de acompanhamento de resultados e a falta de indicadores que os avaliem e que considerem quais melhorias e adaptações precisam ser feitas antes de replicar determinadas tecnologias sociais. Antes de a iniciativa ser posta em prática de novo, em outro local, deveria haver um diagnóstico inicial para identificar as mudanças necessárias. Não adianta avaliar o processo depois de implementado pois fica muito mais difícil corrigir seus rumos.

A ausência de sistematizações mais elaboradas ocorre especialmente nas tecnologias sociais centradas no processo, como as da área de educação. Avaliar os resultados de um processo é complexo. Se não for sistematizado, acaba oferecendo como indicação de sucesso apenas o desempenho de um aluno na prova ou o número de pessoas atendidas – ou pior: fica-se apenas no mérito da boa intenção sem avaliar os impactos reais.

O engajamento da população beneficiada também deve ser enfatizado, o que contribui para a apropriação cidadã da tecnologia social. A população beneficiada deve ser informada sobre o impacto das iniciativas, de modo claro e didático, por meio de estatísticas, mapas e gráficos. Se os resultados não são oferecidos à comunidade, ela não é educada para participar de um processo no qual atua – idealmente – em todas as etapas, e sem isso não há real apropriação, o que pode afetar seriamente a sustentabilidade, outro eixo importante (e geralmente tão resumido ao abandono pré-programado, após um tempo de investimento definido somente pela verba disponibilizada).

Outro aspecto a considerar é a criação de patentes na replicação de soluções sociais, o que é ao mesmo tempo um risco e uma necessidade. A franquia social é um exemplo. É preciso definir normas para impedir apropriações indevidas. Precisamos de um “copyright social”, alguma forma de Creative Commons ou coisas do gênero que garantas a apropriação do saber social por todos sem restrições ou entraves.

A aplicação de tecnologia social pressupõe atuar em conjunto com o poder público, com a sociedade e, no caso de empresas, até com organizações que poderiam ser vistas como concorrentes. A complementaridade de recursos e competências deve ocorrer sem a preocupação sobre a paternidade da idéia, quem vai aparecer mais ou deter a patente. Esta é uma barreira de natureza cultural a ser transposta no Brasil. Sem rompê-la não se iniciará nenhum processo realmente transformador nem se alcançará a escala necessária para fazer frente à complexidade e ao tamanho de nossos problemas sociais. Colaboração é uma palavra-chave na tecnologia social e um elemento estranho na estratégia empresarial convencional.

A produção de solução em escala, além da reaplicabilidade, diferencia a tecnologia social dos projetos e ações comuns no terceiro setor. Nesse sentido, ela deve estar afinada com alguma política pública. Não dá para considerar tecnologia social um projeto que atenda dez crianças na Praça da Sé ou uma ação isolada que beneficie apenas uma pequena fração da comunidade. Observa-se hoje muitas ações positivas no País, mas que não mudam as estruturas nem representam solução impactante.

A tecnologia social não incorpora necessariamente as sofisticações da ciência e tecnologia, mas também não as renega. Em uma empresa, quanto menos mão-de-obra, melhor. O mesmo não ocorre com a tecnologia social. Um de seus objetivos é o envolvimento do maior número possível de pessoas. Essa diferença não transforma o produto ou processo automatizado em um vilão, um gerador de desemprego. Seria um raciocínio muito simplista. Envolver um grande número de pessoas não é um culto ao trabalho pelo trabalho, mas uma forma de desenvolvimento. Seu objeto é o crescimento humano e não o produto em si.

A origem da tecnologia social está na associação do pensamento acadêmico à ação coletiva da comunidade. O ser humano faz tecnologia social desde que começou a andar em duas pernas. Ele busca soluções locais como fez Robson Crusoé. O papel da academia é identificá-las e refiná-las. Assim, as comunidades são despertadas para o protagonismo e cada uma constrói o seu próprio caminho. Como resultado, espera-se uma conscientização que permita engajamento, autonomia e senso crítico na transformação da realidade.

Cultura digital e inclusão

01/05/2006

MAIO 2006

Artigo publicado na revista A Rede nº 14, de maio de 2006, sob o título de “O que quer, o que pode essa língua”.

Quando se fala em inclusão digital é muito comum pensar-se apenas nas pessoas socialmente excluídas, em situação de pobreza. Mas há mais fatores fundamentais a levar em conta, sendo o objetivo deste artigo a questão dos conteúdos e a inserção de novos atores nesse processo.

Ações de inclusão digital meramente direcionadas para o ensino de informática já se mostraram pobres, tanto nas dinâmicas geradas quanto nos resultados alcançados – transformando muitas vezes em medíocres escolinhas de computação o que poderiam ser ricos espaços de interação social, com apropriação tecnológica focada no protagonismo autoral e na cultura digital.

Como apontou Paulo Freire, os conteúdos educadores e libertadores devem ser buscados na cultura e na consciência de cada pessoa. Assim é de fundamental importância a existência, na internet, de mais conteúdos em língua portuguesa (hoje estimados em cerca de 2% da rede mundial). Textos, imagens, sons e vídeos com conteúdo popular e nacional (além, é claro, de conteúdos de outros países de língua portuguesa e latino-americanos em geral).

Se hoje pesquisarmos no Google a ocorrência de “halloween”, encontraremos mais de cem milhões de páginas. Já a ocorrência de “saci-pererê” fica em 127 mil páginas. A mesma proporção ocorre se compararmos receitas de abóbora escritas em inglês com bolos de fubá em português.

Estimular e direcionar projetos de inclusão digital para a captação e criação de conteúdos na rede não só atende a esse objetivo, de aumentar a quantidade de material em nosso idioma na web, como também é a melhor forma de as pessoas se apropriarem das ferramentas tecnológicas sem perderem tempo em cursinhos de informática (de natureza taylorista-fordista em sua maioria).

Para isso, devemos direcionar esforços para escanear e digitalizar conteúdos já existentes, bem como criar novos conteúdos, em áreas as mais diversas, como depoimentos pessoais e histórias de vida, receitas culinárias típicas, contos e causos do nosso folclore, repentes e desafios musicais, modas de viola, corais, cantares regionais, música de novos conjuntos, desenhos e pinturas de artistas locais, fotografias de diversos lugares de interesse geográfico, turístico ou histórico, de pessoas, de animais e de plantas, documentação de projetos sociais, culturais, de desenvolvimento local, captura de imagens ou pequenos filmes com celulares e câmeras digitais, literatura de autores desconhecidos ou esquecidos, esgotados ou mal distribuídos, tudo com direitos autorais liberados para circulação e publicação sem fins lucrativos, quando possível e desejável.

O potencial de transformação do mundo é enormemente auxiliado e fortalecido pela apropriação das novas tecnologias de comunicação e informação, permitindo que cada um seja autor de blogs, boletins, podcasts, webrádios, serviços noticiosos e sites de todo o tipo. Fazer com que cada telecentro, ou iniciativas semelhantes de diferentes nomes, seja um centro de produção, com apoio colaborativo, é a estratégia mais adequada para garantir o efetivo domínio do digital por cada indivíduo e sua inserção e articulação em projetos coletivos, de alcance social e cultural, que gerem o fortalecimento da ação política e da cidadania.

Para tudo isso, é de fundamental importância que se engajem intelectuais, escritores, pintores, músicos, fotógrafos, educadores, militantes políticos e demais articuladores sociais e produtores culturais nas ações de inclusão digital. Parodiando o que Clemanceau disse em relação à guerra, inclusão digital é uma coisa séria demais para ficar apenas na mão dos informatas!